05 março 2010

Opinião - Jornal de Notícias

Quando um menino quer
 morrer aos 12 anos

Quando um menino quer morrer aos 12 anos

01h12m

Para a generalidade de nós, que não somos psicólogos, psiquiatras ou pedopsiquiatras, a notícia do suicídio de um rapaz de 12 anos suscita uma óbvia inquietação: o que leva um ser humano desta idade a recorrer a um acto tão definitivo, um acto que revela não só um supremo desprezo pela vida como uma perturbadora consciência da morte e dos seus efeitos? No fundo, como pode um menino de 12 anos pensar em morrer e não pensar em viver, não pensar só em ser menino? 

O que terá levado Leandro Pires, tenro aluno do sexto ano da Escola Luciano Cordeiro, em Mirandela, a sair do estabelecimento de ensino à hora do almoço, na companhia do irmão gémeo e de duas primas? O que terá levado Leandro Pires a descer de uma ponte até à margem do rio? O que terá levado Leandro Pires a tirar as roupas e confiar o destino aos caprichos da corrente do Tua? O que terá levado Leandro Pires a um tal estado de obstinação que nem mesmo o irmão gémeo conseguiu demovê-lo?
Há cerca de um ano, Leandro Pires, o Leandro Pires de 12 anos, este menino de 12 anos, esteve internado no hospital depois de ter sido agredido violentamente por colegas. E agredido violentamente por colegas significa ter sido pontapeado na cabeça. Não estamos, pois, perante um acesso de loucura momentâneo desses mesmos colegas, de acções isoladas. 

Havia um historial de violência psicológica e física protagonizado por aqueles que com ele partilhavam o espaço escolar. Os amigos sabiam que o Leandro era a vítima e sabiam quem eram os agressores. A escola tinha obrigação de saber. Para mais, quando há outros casos que lhe terão sido reportados. Educar não é só debitar programas curriculares. É também proteger, cuidar. Defender.

Não conheci o Leandro nem conheço os seus colegas. Mas não julgo ser preciso. Esta triste história vai tendo, infelizmente, paralelo em várias escolas por esse país fora. Casos de alunos que sofrem pressões de tal forma insuportáveis que têm dificuldade em dormir, ganham aversão ao ensino, vivem aprisionados numa caverna de medos, são obrigados a entregar o dinheiro ou o telemóvel aos pilantras mais velhos, que atacam dentro e fora dos muros da escola, quase sempre em grupo, como as hienas. 

Mas o caso do Leandro, podendo não ser exclusivo, deve tornar-se exemplar. Os vários estudos e opiniões já formados sobre o "bullying" (anglicismo que designa este tipo de violência) encontram na história deste rapaz a dimensão humana de um fenómeno tratado quase exclusivamente na esfera académica.
Depois disto, as escolas, os professores, os responsáveis políticos da área, os encarregados de educação não podem continuar a passar ao lado das evidências. O "bullying" ganhou um rosto. As escolas deviam criar ou reforçar as condições (e não estou a referir-me ao gabinete) que permitam aos alunos que são vítimas denunciar, de uma forma discreta, as sevícias de que são alvo. Porque, na maior parte dos casos, trata-se de alunos que reprimem as frustrações, que nem mesmo em casa conseguem desabafar. 

Mais: é imperioso que pais e educadores abandonem em definitivo a tese complacente e retrógrada que defende que este tipo de comportamentos faz parte do normal processo de crescimento de uma criança. Que levar uns amassos ajuda a criar defesas. Porque isso significa dizer que, no caso do Leandro e de outras potenciais vítimas, a culpa não é de ninguém. Pior: que a culpa é da sociedade. 

Esperemos, por isso, que o clássico inquérito já mandado instaurar pelo Ministério da Educação não vá pelo mesmo caminho. A culpa não pode ser da sociedade. A memória do Leandro não merece. 

in: Jornal de Noticias, 05-03-2010

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